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Devo evitar anestesia contra a dor de parto?



https://youtu.be/noMrPelPK7g

Você escreveu que está grávida e depois de ler em Gênesis que Deus condenou Eva a parir com dor ficou em dúvida se deveria evitar anestesia no parto. A passagem à qual você se referiu está em Gênesis 3:16: "E à mulher disse: Multiplicarei grandemente a tua dor, e a tua conceição; com dor darás à luz filhos".

Embora alguns irmãos possam ter um entendimento diferente, eu particularmente não acredito que Adão e Eva não sentissem algum grau de dor no Jardim do Éden, pois a dor é um importante alarme do corpo.  Ela está associada ao tato e também à sensação de prazer, que é seu outro extremo. Uma água gelada pode criar uma sensação de prazer, mas muito gelada irá causar dor. O mesmo vale para as diferentes sensações causadas por um café quente e um fervendo. A dor faz com que nossos pés sintam o terreno e imediatamente aliviem a pressão se pisarem em algo pontiagudo. Também impede que nos queimemos quando pegamos algo muito quente com as mãos. Reclame de alguma dor banal a um leproso e ele dirá que você é abençoada.

Um corpo sem dor, como no caso de quem sofre de hanseníase, mais conhecida como lepra, dificilmente consegue viver intacto e sem se destruir. Por isso leprosos precisam ser treinados para fazer tarefas do dia-a-dia e evitar riscos, usando até calçados especiais para não ferir seus pés. Aquela bolha, que num corpo normal faz a pessoa deixar de usar o sapato ou mudar a posição do pé ao caminhar, em alguém que sofre de hanseníase pode virar uma ferida, gangrenar e exigir a amputação do pé.

Tenho até hoje a imagem muito vívida causada pelo livro "Papillon", de Henri Charrière, que li na minha adolescência. Após fugir da prisão da "Ilha do Diabo" na Guiana Francesa, o personagem se abrigou numa colônia de leprosos. Quando um deles lhe passou uma caneca de metal com chá quente, ele percebeu uma ponta de dedo grudada na caneca. O leproso não tinha percebido que estava quente demais e que seu dedo havia grudado no metal.

Tenho um filho com paralisia cerebral que aparenta ter um grau menor de sensibilidade à dor. Sei disso porque desde pequeno raramente chorava quando batia a cabeça ou se feria de algum modo. Quando tinha coceiras nos ouvidos acordava com o dedo cheio de sangue e a orelha ferida. Luvas bem presas com fita crepe resolveram o problema. Outra vez ele teve coceiras nas costas, e quando acordava de manhã seu pijama tinha manchas de sangue. Ele conseguia enfiar a mão sob o pijama e coçava as costas até sangrar. Passei a manter suas unhas bem aparadas, mas o que resolveu mesmo foi vesti-lo com um collant bem justo para impedir que suas mãos entrassem sob o pijama e alcançassem a pele das costas.

Tudo isso mostra a importância da dor em um corpo humano saudável. Afirmar que não havia dor no Jardim do Éden antes da queda, e que ela seria consequência do pecado, cria um problema ainda mais difícil de se resolver. Se assim fosse, então Jesus, que não tinha pecado e nem poderia pecar por ser Deus e Homem, não teria sentido qualquer dor antes de ser feito, por Deus, pecado por nós na cruz, como ensina 2 Coríntios 5:21, e morrer por nós. Ele teria sido chicoteado sem sentir nada, a coroa de espinhos não teria sido um incômodo e os grandes cravos que atravessaram suas mãos e seus pés teriam trazido apenas um leve desconforto.

Por isso creio que havia dor sim no Jardim do Éden, mas não devia ser algo tão extremo quanto é hoje, cumprindo apenas seu papel de defesa do corpo para gerar uma reação. Ao contrário do que alguns dizem, a passagem de Gênesis não diz que a mulher passaria a ter dor de parto, mas que suas dores seriam multiplicadas. Gênesis 3:16 diz: "Multiplicarei grandemente a tua dor, e a tua conceição; com dor darás à luz filhos". Creio que aquilo que era para ser sem sofrimento, agora traria não só dor física como também aflição pelos riscos envolvidos. Mesmo porque a saída de um bebê, forçada por contrações do corpo, não é algo trivial que aconteça todos os dias.

Portanto mesmo no Éden se ela tivesse filhos teria sentido dor em algum grau, mas nada comparado ao que é hoje a dor e aflição de um parto, que está na lista das experiências mais dolorosas do corpo humano. Uma pesquisa médica que encontrei na Web aponta que a pior dor é a de cálculo renal, seguida nesta ordem por dor biliar, muscular, enxaqueca crônica, dor de dente, infarto, parto normal, gota, hipertensão intracraniana e queimadura de segundo grau. A dor de parto está em sétimo lugar nessa escala.

Mas vamos nos deter um pouco mais no versículo de Gênesis. Não sei hebraico, mas numa Bíblia interlinear dá para saber que as palavras usadas para "dor" na passagem diferem. "E à mulher disse: Multiplicarei grandemente a tua dor, e a tua conceição; com dor darás à luz filhos". Na primeira ocorrência da palavra "dor" no original hebraico está 'itstsabon', que pode ser traduzida por 'sofrimento' ou 'aflição'. Na segunda ocorrência a palavra no original é 'etseb', que pode ser traduzida como 'trabalho' ou 'dificuldade'.

A próxima ocorrência da palavra "dor" na Bíblia em português está em Gênesis 34:25: "E aconteceu que, ao terceiro dia, quando estavam com a mais violenta dor..." Ali a palavra no original é 'kaab', que é dor de corte da pele na circuncisão. Talvez isto ajude a entender melhor que a referência ao parto em Gênesis tinha mais a ver com sofrimento e aflição do que necessariamente com dor física.

Às vezes a passagem de 1 Timóteo 2 é conectada por alguns à maldição ocorrida no Jardim do Éden, como se a dor de parto para a mulher cristã fosse algo condicionado ao seu modo de andar. A passagem diz: "Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva. E Adão não foi enganado, mas a mulher, sendo enganada, caiu em transgressão. Salvar-se-á, porém, dando à luz filhos, se permanecer com modéstia na fé, no amor e na santificação." (1 Tm 2:13-15).  O assunto aqui parece ser outro, mais ligado à submissão ao homem do que ao parto.

Encontrei alguns autores que comentam essa questão da dor. John Nelson Darby escreve: "Eva sofreu na terra a pena de seu erro de uma maneira que se tornou uma marca do juízo de Deus. Mas ao caminhar em modéstia, com fé, amor e santidade, ela será liberta na hora de sua tribulação. E então, aquilo que traz a marca do juízo, se transformará em uma ocasião para socorro e misericórdia de Deus." (JN Darby).

Não me parece ter sido exatamente um livramento total de dor que Deus prometeu à mulher submissa. Em seu comentário Darby não fala especificamente de livramento da dor do parto, mas de misericórdia na hora do parto, levantando 3 pontos:

1. Eva sofreu na terra a pena por seu erro de forma a assinalar o juízo de Deus.
2. Se ela e o marido andassem em modéstia etc., ela seria liberta da hora de sua tribulação.
3. E aquilo que traz o selo do juízo (o parto com dor) seria uma ocasião de misericórdia e socorro divino.

Hamilton Smith coloca a questão desta maneira: "Eva sofreu por causa de sua transgressão, mas a mulher cristã encontrará a misericórdia de Deus sobrepujando o juízo administrativo, se o casal homem e mulher continuarem em fé, amor e santidade com discrição. Como vimos antes, que a continuidade numa sã doutrina depende muito de uma condição moral adequada (1 Timóteo 1:5, 6), agora vemos que a misericórdia temporal está conectada a uma condição espiritual adequada." (H. Smitth).

Assim como no comentário de Hamilton Smith, que fala da responsabilidade não apenas da mulher, mas do casal, Clarence E. Stuart também diz que a responsabilidade de permanecer na fé, amor etc. é tanto da mulher quanto de seu marido:

"A mulher foi enganada, o homem não. Adão deu ouvidos à voz de sua esposa. Ela demonstrou sua incapacidade de assumir a liderança. 'Porém', acrescenta o apóstolo, ela 'salvar-se-á dando à luz filhos, se permanecer com modéstia na fé, no amor e na santificação'. Assim, apesar de o homem ser a cabeça da mulher, a sua preservação ao dar à luz está conectada administrativamente tanto ao comportamento do marido quanto ao seu próprio comportamento". (C. E. Stuart).

Na Bíblia traduzida por John Nelson Darby o versículo traz um plural indicando o homem e a mulher: "Mas ela será preservada ao dar à luz, se eles continuarem na fé e amor e santidade com modéstia". (1 Tm 2:15 - JND).

William Macdonald também coloca no plural essa responsabilidade, e não apenas como sendo apenas da mulher, mas do casal, ressaltando que o assunto em 1 Timóteo tem mais a ver com responsabilidade e submissão do que com parto: "O pensamento é que se marido e mulher mantiverem um testemunho cristão e, consequentemente, honrarem a Cristo em seu lar e criarem seus filhos no temor e admoestação do Senhor, então a posição da mulher se salvará (ou será preservada)".

William Kelly comenta no mesmo sentido de responsabilidade do casal, e não apenas da esposa: "Não somente se ela, mas se eles continuarem. Quão sério é a palavra para tanto homem como mulher!".

Quanto a usar anestesia na hora do parto, não vejo nada de errado em bloquear a dor, mesmo porque temos dor de dente e Deus não disse nada sobre esta dor específica. Mesmo assim tomamos anestesia para suportar um tratamento de canal. Quando Deus disse a Adão que seu trabalho, que antes teria sido fácil, passaria a ser difícil por causa das ervas daninhas e espinhos, isso não significa que ele não poderia inventar maneiras de se livrar dessas pragas. Mas obviamente tudo o que fazemos na contra-mão do que Deus determinou em seu juízo governamental traz alguma consequência. Uma anestesia pode dar errado e levar à morte, e todos sabemos que herbicidas afetam nossa saúde e o meio ambiente.

Timóteo tinha dor de estômago, e quando Paulo sugeriu que tomasse vinho para seu problema estava receitando um remédio caseiro para eliminar seu desconforto e dor. Não é errado eliminar a dor, ainda que seu agravamento tenha sido consequência e juízo divino por causa do pecado. Quando Deus falou a Eva não estava dando um mandamento do tipo "você não tente eliminar a dor", mas apenas avisando da pena que ela sofreria como consequência de seu erro.

por Mario Persona

Mario Persona é palestrante e consultor de comunicação, marketing e desenvolvimento profissional (www.mariopersona.com.br). Não possui formação ou título eclesiástico e nem está ligado a alguma denominação religiosa, estando congregado desde 1981 somente ao Nome do Senhor Jesus. Esta mensagem originalmente não contém propaganda. Alguns sistemas de envio de email ou RSS costumam adicionar mensagens publicitárias que podem não expressar a opinião do autor.)
Mario Persona é palestrante e consultor de comunicação, marketing e desenvolvimento profissional www.mariopersona.com.br. Não possui formação ou título eclesiástico e nem está ligado a alguma denominação religiosa, estando congregado desde 1981 somente ao Nome do Senhor Jesus. Esta mensagem originalmente não contém propaganda. Alguns sistemas de envio de email ou RSS costumam adicionar mensagens publicitárias que podem não expressar a opinião do autor.
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