Quando li a notícia de que um artista, um cantor brasileiro estava arrependido, pensei em como é estranha esta palavra, “arrependimento”. Após ter decepcionado seus fãs com uma declaração de mau jeito, ele publicou uma nota na qual dizia estar arrependido, seguida da expressão: “Todo mundo erra”. Não é este o arrependimento bíblico, aquele do réu que coloca seu pescoço sob a lâmina do algoz, mesmo porque no cepo de execução só existe espaço para um pescoço. Não dá para colocar “todo mundo” ali.
O arrependimento que tenta incluir “todo mundo” é o mesmo de Adão e Eva, que se esconderam “entre as árvores do jardim” (Gn 3:8). Árvore, na Bíblia, tem o sentido de humanidade; aquilo que foi criado a partir da terra. No Antigo Testamento Jesus era tipificado por uma arca de madeira revestida de ouro, a Arca da Aliança. Ali a humanidade aparecia junto com a perfeição divina e dignidade real, representadas pelo ouro. O cego que foi curado também via as pessoas como “árvores que andam” (Mc 8:24), e Jesus comparou o juízo ao machado posto “à raiz das árvores; toda a árvore, pois, que não dá bom fruto, corta-se e lança-se no fogo” (Lc 3:9). Ele falava de pessoas, evidentemente.
O arrependimento meramente exterior procura reparar o erro — como Adão e Eva com seus aventais de folhas de figueira — porém faz isso por seus próprios meios, e escondido de Deus. Aquele avental de nada adiantou para cobrir o pecado deles, pois foi preciso Deus intervir e fazer valer o seu juízo de morte contra o pecador. Ele matou um animal inocente para dele tirar a pele que serviria para cobrir o pecado do homem. Aquilo era uma figura de Cristo, o Inocente pagando pela culpa do pecador.
Outro arrependimento que me vem à mente é o de Judas. Teria Judas se arrependido de verdade? Afinal, a Bíblia diz que “Então Judas, o que o traíra, vendo que fora condenado, trouxe, arrependido, as trinta moedas de prata aos príncipes dos sacerdotes e aos anciãos, dizendo: Pequei, traindo o sangue inocente... E ele, atirando para o templo as moedas de prata, retirou-se e foi-se enforcar.” (Mt 27:3-5). O arrependimento de Judas é o arrependimento do ladrão que é preso e o repórter do telejornal pergunta se ele está arrependido. É claro que ele diz que está, mas ele não estaria arrependido se o plano tivesse dado certo. O seu arrependimento é por ter sido preso. Depois de presenciar o poder de Jesus em tantas ocasiões, Judas talvez acreditasse que os guardas nunca conseguiriam prendê-lo e Judas sairia no lucro. Afinal, ele tinha andado com Jesus desde o princípio de olho no dinheiro, como é possível ver de outras passagens. Aquilo não foi arrependimento; aquilo foi frustração como a do ladrão na entrevista da TV.
O arrependimento de Caim é outro falso arrependimento que leva à perdição. Deus estava pronto a perdoar o seu pecado, mas ele deixou claro que desejava continuar senhor de seu próprio destino. Deus lhe disse: “Se bem fizeres, não é certo que serás aceito?” (Gn 4:7). Todavia Caim rejeitou a graça de Deus e decidiu condenar-se a si mesmo lavrando sua própria sentença: “É maior a minha maldade que a que possa ser perdoada”, e como se não bastasse, acrescenta a si mesmo uma pena que Deus não havia determinado: “Todo aquele que me achar, me matará” (Gn 4:12-14). Deus não havia dito isso e nem queria dizer, porque até providenciou uma marca em Caim para impedir que outros o matassem.
Mas e o arrependimento de Pedro? Esse foi genuíno, pois foi gerado por Deus em Pedro. Você se lembra de que Jesus, ao revelar que Pedro o negaria, disse que intercedeu por Pedro por saber que ele seria “peneirado” como trigo? Mais tarde, após negar o Senhor três vezes, Pedro viu que “o Senhor olhou para Pedro, e Pedro lembrou-se da palavra do Senhor... E, saindo Pedro para fora, chorou amargamente” (Lc 22:60-62). Naquele momento o mundo em redor deixou de existir e ficaram só Pedro e o Senhor olhando para ele, e é este o lugar que deve ocupar o verdadeiro arrependido. A sós com Deus e horrorizado com seu pecado.
Foi o caso da mulher adúltera, embora ali a palavra arrependimento não seja mencionada. Todos ali — a mulher e seus acusadores — foram convencidos de pecado. Seus acusadores, com suas consciências atribuladas e sabendo que não poderiam atirar a primeira pedra, fugiram da presença do Senhor. Não tendo mais ninguém para acusá-la, ela poderia ter fugido também, mas não. Ficou ali reconhecendo sua culpa bem diante do único sem pecado que poderia apedrejá-la, como a Lei determinava. E ouviu as palavras de graça saídas da boca de Jesus: “Nem eu também te condeno; vai-te, e não peques mais.” (Jo 8:11).
Este é o verdadeiro arrependimento. Ele é solitário diante de Deus; não se justifica dizendo que “todo mundo erra”. Foi um arrependimento assim, solitário, que moveu o coração de Jeremias: “Na verdade depois que [EU] me desviei, [EU] arrependi-me; e depois que [EU] fui instruído, [EU] bati na minha coxa; [EU] fiquei confundido e envergonhado, porque [EU] suportei o opróbrio da minha mocidade” (Jr 31:19).
Mas se existe o arrependimento solitário, existe também o arrependimento solidário. Nele o arrependido inclui outros em seu arrependimento, e mesmo assim é um arrependimento sincero. Falo de Daniel, no exílio em Babilônia, para onde havia sido levado ainda adolescente. O exílio era um castigo de Deus por causa da desobediência de Israel como nação, mas o menino Daniel não tinha sido diretamente culpado pelos pecados de seu povo. Mesmo assim, quando ele confessa o pecado da nação, de forma solidária ele se inclui: “[NÓS] pecamos, e [NÓS] cometemos iniquidades, e [NÓS] procedemos impiamente, e [NÓS] fomos rebeldes, apartando-nos dos teus mandamentos e dos teus juízos.” (Dn 9:5).
Este também é o arrependimento substitutivo, de quem não tem responsabilidade direta pelo pecado, mas voluntariamente coloca seu pescoço sob a lâmina do algoz. É o que Jesus fez, quando não somente assumiu a humanidade para fazer-se um com os seres humanos, embora sem pecado, mas foi até o madeiro por amor dos verdadeiros culpados. Seus sentimentos, e o que ele fez por você e por mim, podem ser vistos profetizados no Salmo 69 e em outras passagens, onde também faz confissão por pecados que não tinha cometido: “Tu, ó Deus, bem conheces a minha estultice; e os meus pecados não te são encobertos... restituí o que não furtei.” (Sl 69:5). “Àquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus.” (2 Co 5:21). “Levando ele mesmo em seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro, para que, mortos para os pecados, pudéssemos viver para a justiça; e pelas suas feridas fostes sarados.” (1 Pe 2:24).
Diante de tamanha provisão e da promessa de que “se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados, e nos purificar de toda a injustiça” (1 Jo 1:9), por que hesitamos tanto em nos deixar conduzir a um arrependimento genuíno quando pecamos? Por que tentamos culpar outros ou nos esconder na multidão, como fizeram Adão e Eva? Por que rejeitamos a graça de Deus, como fez Caim, e passamos a viver como fugitivos? Quando criança eu não queria a injeção que o farmacêutico tentava aplicar, e lutava com todas as minhas forças. Depois eu acabava percebendo que teria sido menos dolorido se tivesse logo me sujeitado à picada, ao invés de apenas adiar a dor.
“Desprezas tu as riquezas da sua benignidade, e paciência e longanimidade, ignorando que a benignidade de Deus te leva ao arrependimento?... Porque a tristeza segundo Deus opera arrependimento para a salvação, da qual ninguém se arrepende; mas a tristeza do mundo opera a morte.” (Rm 2:4; 2 Co 7:10).
Mario Persona é palestrante e consultor de comunicação, marketing e desenvolvimento profissional (www.mariopersona.com.br). Não possui formação ou título eclesiástico e nem está ligado a alguma denominação religiosa, estando congregado desde 1981 somente ao Nome do Senhor Jesus. Esta mensagem originalmente não contém propaganda. Alguns sistemas de envio de email ou RSS costumam adicionar mensagens publicitárias que podem não expressar a opinião do autor.)