https://youtu.be/CWX7qJU2M4A
Sua dúvida é se Coré (ou Corá), Datã e Abirão teriam sido lançados vivos no inferno. Não, porque "inferno", palavra que originalmente não existe nas Escrituras, foi usada por alguns tradutores da Bíblia para indicar o "lago de fogo", às vezes também fazendo confusão com "sheol" (hebraico no Antigo Testamento) ou "hades" (grego no Novo Testamento), que é a condição de morte, quando espírito e alma estão separados do corpo. O "lago de fogo" (Ap 19:20; 20:10, 14-15) é a condição definitiva em que serão lançados os perdidos mortos, após terem recebido de volta seus corpos e serem sentenciados no juízo final do "Grande Trono Branco".
Esse lugar de aprisionamento contínuo, com "trevas exteriores... pranto e ranger de dentes" (Mt 812) — também chamado de "fogo eterno" (Mt 25:41) — não foi preparado para os homens, e sim para Satanás e seus anjos, conforme o Senhor ensinou: "Então dirá também aos que estiverem à sua esquerda: Apartai-vos de mim, malditos, para o fogo eterno, preparado para o diabo e seus anjos." (Mt 25:41). Hoje não existe ninguém nesse lago de fogo eterno, e os primeiros a inaugurarem suas chamas serão a besta e o anticristo. "E a besta foi presa, e com ela o falso profeta, que diante dela fizera os sinais, com que enganou os que receberam o sinal da besta, e adoraram a sua imagem. Estes dois foram lançados vivos no lago de fogo que arde com enxofre." (Ap 19:20). Mil anos depois, "o diabo... foi lançado no lago de fogo e enxofre, onde está a besta e o falso profeta; e de dia e de noite serão atormentados para todo o sempre." (Ap 20:10.
No capítulo 16 do livro de Números você encontra Coré, com Datã e Abirão, questionando a liderança de Moisés e o sacerdócio de Aarão. Sua intenção parecia ser a de “democratizar” o culto a Deus, mas Coré queria mesmo era usurpar o lugar de autoridade e intercessão sacerdotal instituído por Deus, tornando-se um intermediário não autorizado entre Deus e os homens. A passagem diz:
"Subiram, pois, do derredor da habitação de Coré, Datã e Abirão. E Datã e Abirão saíram, e se puseram à porta das suas tendas, juntamente com as suas mulheres, e seus filhos, e suas crianças. Então disse Moisés: Nisto conhecereis que o Senhor me enviou a fazer todos estes feitos, que de meu coração não procedem. Se estes morrerem como morrem todos os homens, e se forem visitados como são visitados todos os homens, então o Senhor não me enviou. Mas, se o Senhor criar alguma coisa nova, e a terra abrir a sua boca e os tragar com tudo o que é seu, e vivos descerem ao abismo, então conhecereis que estes homens irritaram ao Senhor. E aconteceu que, acabando ele de falar todas estas palavras, a terra que estava debaixo deles se fendeu. E a terra abriu a sua boca, e os tragou com as suas casas, como também a todos os homens que pertenciam a Coré, e a todos os seus bens. E eles e tudo o que era seu desceram vivos ao abismo, e a terra os cobriu, e pereceram do meio da congregação." (Nm 16:27-33).
Existem duas maneiras de se ler a Bíblia, as quais podem às vezes se sobrepor ou serem mescladas. Uma é a maneira racional, acadêmica, pela qual você busca entender o que aconteceu numa cena, levando em conta aspectos históricos, geográficos, arqueológicos, culturais, sociológicos etc. Esse tipo de leitura pode até ajudar a entender a composição do solo do lugar, se havia alguma fissura nas rochas ou o grau de intensidade na Escala Richter do tremor causado por uma fenda capaz de engolir pessoas e tendas. Coisas assim não têm grande proveito para o cristão, porque visam mais satisfazer a curiosidade acadêmica do que alimentar a alma. Elas podem ser aprendidas e entendidas por qualquer pessoa, seja ou não nascida de novo. Mas existe a outra e mais nobre maneira de se ler as Escrituras que é tirar lições dessas coisas para crescer no conhecimento do Senhor e da sua Palavra.
As Escrituras nos ensinam que as coisas que encontramos no Antigo Testamento "são sombras das coisas futuras" (Cl 2:16-17), que algumas delas "servem de exemplo e sombra das coisas celestiais" (Hb 8:5), "foram-nos feitas em figura" (1 Co 10:6), e podem ser vistas como "figura do verdadeiro" (Hb 9:24) ou como "a sombra dos bens futuros, e não a imagem exata das coisas" (Hb 10:1). Quando uma pessoa chega à sua casa, você vê primeiro a sombra dela aparecer na parede da entrada, mas não corre abraçar a sombra, e sim a pessoa que ela representa. Assim deve ser a leitura do Antigo Testamento: observe a sombra apenas o suficiente para enxergar a realidade para a qual as sombras e figuras apontam. Então ocupe-se com a realidade das coisas.
O cientista cético estudioso da Bíblia se ocuparia com o estudo da luz que causou aquela sombra, suas medidas e espectro de cores. Porém o verdadeiro convertido a Cristo sabe que está lidando com a "sabedoria entre os perfeitos; não, porém, a sabedoria deste mundo, nem dos príncipes deste mundo, que se aniquilam; mas... a sabedoria de Deus, oculta em mistério, a qual Deus ordenou antes dos séculos para nossa glória; a qual nenhum dos príncipes deste mundo conheceu; porque, se a conhecessem, nunca crucificariam ao Senhor da glória. Mas, como está escrito: As coisas que o olho não viu, e o ouvido não ouviu, E não subiram ao coração do homem, São as que Deus preparou para os que o amam." (1 Co 2:6-9). Por isso muitos saem de faculdades de teologia com uma tonelada de conhecimento racional SOBRE a Bíblia, mas nem um grama sequer de apreciação pelo AUTOR da Bíblia.
Portanto, não há muito proveito em se deter ao detalhe do "abismo" ao qual você se referiu, quando sabemos que no original a palavra hebraica é "sheol" e que pode significar tanto a sepultura física como a condição de morte, que é a separação do espírito e alma de seu invólucro material ao qual chamamos de corpo. É neste sentido também que você encontra a palavra grega "hades" no Novo Testamento, às vezes erroneamente traduzida por "inferno". Resumindo, os três revoltosos — Coré, Datã e Abirão — foram tragados vivos por uma fenda no solo conforme Deus havia avisado por meio de Moisés, e obviamente morreram como consequência disso. Isso é tudo o que precisamos saber para não nos determos em detalhes físicos e de menor importância e podermos nos ocupar com os significados ou realidades dessas sombras ou figuras. Você pode até avaliar a doçura do abacaxi pela casca, mas é o que está dentro que interessa.
Como eu disse, aqueles homens foram julgados e sentenciados por desejarem assumir uma posição que não era a que Deus havia designado para eles. Quiseram tomar à força a liderança de Moisés e o sacerdócio de Aarão. Hoje não temos Moisés para nos guiar ou Aarão para interceder por nós. Temos a Cristo, portanto qualquer homem que se coloque como intermediário entre Deus e os homens está apostatando da Verdade e agindo como Coré. Uma das características da apostasia — ou desvio da Verdade — é a exaltação do homem. Não é difícil encontrarmos líderes cristãos elevados à condição de semideuses, cativando multidões e sendo aplaudidos e venerados por elas. São protótipos do que será o anticristo, “o homem do pecado, o filho da perdição, o qual se opõe, e se levanta contra tudo o que se chama Deus, ou se adora; de sorte que se assentará, como Deus, no templo de Deus, querendo parecer Deus.” (2 Ts 2:3-4).
Não é à toa que o episódio dos três revoltosos também nos leva a pensar na besta e no anticristo "foram lançados vivos no lago de fogo que arde com enxofre" (Ap 19:20). Isso certamente revela a gravidade do que aconteceu com os revoltosos do passado, avisados de que terra iria "abrir a sua boca e os tragar com tudo o que é seu, e vivos descerem ao abismo... E aconteceu que, acabando ele de falar todas estas palavras, a terra que estava debaixo deles se fendeu. E a terra abriu a sua boca, e os tragou com as suas casas, como também a todos os homens que pertenciam a Coré, e a todos os seus bens. E eles e tudo o que era seu desceram vivos ao abismo, e a terra os cobriu, e pereceram do meio da congregação." (Nm 16:30-33).
Mas, apesar de exemplos assim nas Escrituras, por que tanta gente em nossos dias é enganada pelos falsos profetas e mestres da cristandade? Uma razão é a proliferação dos chamados “testemunhos”. Alguns deixam de ler a Palavra de Deus para seguir testemunhos de homens. Basta alguém contar uma bênção que recebeu, e imediatamente sua experiência é aceita como verdade sem passar pelo filtro das Escrituras. Ao mesmo tempo revelações, sonhos e sensações são mais valorizados que a própria Palavra de Deus em igrejas cheias de pessoas mais em busca de sensações do que da Verdade revelada aos apóstolos e profetas do passado. O resultado disso é que, enquanto alguns parecem ter uma conexão banda larga com o céu, outros vivem frustrados por não sentirem coisa alguma, sem perceber que estão cercados de hipócritas e mitômanos que vivem de fingir e destilar fantasias mentirosas.
Embora Deus possa, através do Espírito, trazer ao coração de uma pessoa a direção de como agir em uma determinada situação, esta é a exceção, e não a regra da vida cristã. Muitos que se deixam levar por essas falsas revelações e profecias acabam dependentes dos falsos profetas e incapazes de ter uma vida normal sem alguma mensagem supostamente vinda do Espírito de Deus. Hoje o velho horóscopo do jornal ganhou os púlpitos das igrejas, e quando você escuta alguém dizer que foi "buscar a Palavra", provavelmente não foi ler a Bíblia, mas ouvir algum enganador dizer: "O Espírito Santo me manda avisar que aqui tem uma pessoa que está passando por um problema e bla, bla, bla...".
A carta aos Hebreus diz que “havendo Deus antigamente falado muitas vezes, e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, a nós falou-nos nestes últimos dias pelo Filho” (Hb 1:1). Jesus ressuscitou, subiu aos céus e deu os dons, designando “uns para apóstolos, outros para profetas” (Ef 4:11). Deus não mais revela a sua Palavra como fazia a Israel, e nem como a revelou aos apóstolos e profetas da Igreja. Estes lançaram os fundamentos da Igreja, tendo Paulo recebido a missão de completar a Palavra de Deus, como ele explica em Colossenses 1:24-25: "Regozijo-me agora no que padeço por vós, e na minha carne cumpro o resto das aflições de Cristo, pelo seu corpo, que é a igreja; da qual eu estou feito ministro segundo a dispensação de Deus, que me foi concedida para convosco, para cumprir [no grego "completar"] a palavra de Deus". Hoje Deus usa os dons de “evangelistas, pastores e mestres” (Ef 4:11) para ministrar aquilo que já está revelado nas Escrituras e nas epístolas dos apóstolos.
Apegar-se à Bíblia, a Palavra de Deus, é a salvaguarda para não ser enganado pelas duas principais tendências que levam os cristãos a se desviarem dela. O apóstolo nos fala delas no capítulo 2 de sua carta aos Colossenses, a saber, o misticismo e o asceticismo, às vezes mesclados com legalismo. Aos mais místicos, que se deixam impressionar por experiências como sonhos, visões e revelações, Paulo alerta: “Ninguém vos domine a seu bel-prazer com pretexto de humildade e culto dos anjos, envolvendo-se em coisas que não viu [supostas visões]; estando debalde inchado na sua carnal compreensão” (Cl 2:18).
Aos ascéticos e legalistas ele diz: “Se, pois, estais mortos com Cristo quanto aos rudimentos do mundo, por que vos carregam ainda de ordenanças, como se vivêsseis no mundo, tais como: Não toques, não proves, não manuseies? As quais coisas todas perecem pelo uso, segundo os preceitos e doutrinas dos homens; as quais têm, na verdade, alguma aparência de sabedoria, em devoção voluntária, humildade, e em disciplina do corpo, mas não são de valor algum senão para a satisfação da carne.” (Cl 2:20-23).
Resumindo, o que Coré, Datã e Abirão tentaram fazer foi se apoderar de um lugar e posição que Deus não havia dado a eles. Moisés era o profeta e líder que Deus tinha levantado para guiar o povo, e Aarão o sacerdote para fazer a intermediação entre o povo e Deus. Hoje temos os dons que nos falam daquilo que está na Palavra de Deus, a Bíblia, e não de ilusões inventadas pela mente humana. E cada crente é um sacerdote, tendo livre acesso à presença de Deus e sem precisar de um intermediário humano, já que temos a Cristo ressuscitado e glorificado nos céus. Três passagens nos ajudam a entender isso:
"Porque não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; porém, um que, como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado. Cheguemos, pois, com confiança ao trono da graça, para que possamos alcançar misericórdia e achar graça, a fim de sermos ajudados em tempo oportuno." (Hb 4:15-16).
"Tendo, pois, irmãos, ousadia para entrar no santuário, pelo sangue de Jesus, pelo novo e vivo caminho que ele nos consagrou, pelo véu, isto é, pela sua carne, e tendo um grande sacerdote sobre a casa de Deus, cheguemo-nos com verdadeiro coração, em inteira certeza de fé, tendo os corações purificados da má consciência, e o corpo lavado com água limpa, retenhamos firmes a confissão da nossa esperança; porque fiel é o que prometeu." (Hb 10:19-23).
"E, chegando-vos para ele, pedra viva, reprovada, na verdade, pelos homens, mas para com Deus eleita e preciosa, vós também, como pedras vivas, sois edificados casa espiritual e sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por Jesus Cristo." (1 Pe 2:4-5).
Outra lição que aprendemos com o episódio de Coré, Datã e Abirão é a da magnífica e inigualável graça de Deus. O que poderia Deus fazer com os descendentes de Coré depois de tamanha pretensão de entrar na presença de Deus? Dar a eles, por graça, um lugar nessa presença que tentaram obter à força. Primeiro, levantando Samuel, o mais importante profeta depois de Moisés. Samuel era descendente de Coré, como você pode conferir em 1 Crônicas 6:27-37.
Em Números 26:9-11 diz que "Datã e Abirão foram os do conselho da congregação, que contenderam contra Moisés e contra Arão no grupo de Coré, quando rebelaram contra o Senhor; e a terra abriu a sua boca, e os tragou com Coré, quando morreu aquele grupo; quando o fogo consumiu duzentos e cinqüenta homens, os quais serviram de advertência. Mas os filhos de Coré não morreram." Este é um detalhe importante, porque você irá encontrar não apenas o profeta Samuel como descendente daquele revoltoso, mas outros descendentes de Coré em uma posição de privilégio na adoração do Templo de Jerusalém.
Você já deve ter se acostumado a chamar o livro de Salmos de "Salmos de Davi", porém apenas metade do conjunto de hinos que são os Salmos são atribuídos a Davi, "o mavioso salmista de Israel" (2 Sm 23:1). Doze salmos são atribuídos a Asafe, dois a Salomão e um a cada um destes: Moisés, Etã, Hemã e Esdras. Quarenta e nove, ou um terço dos salmos, são anônimos. Mas dez salmos são atribuídos aos filhos de Coré, os descendentes daquele que a terra engoliu. Certamente este exemplo de graça você não irá encontrar no cardápio daquele pregador ali da esquina que vive aterrorizando seus seguidores com ameaças de maldição familiar.
Um dos mais belos salmos dos filhos de Coré fala justamente de abismo, mas do abismo pelo qual o Salvador teria de passar para salvar os seus. O salmo é profético e relata a experiência, não de Coré ou de qualquer homem, mas de Cristo na cruz e de sua certeza de seria liberto da morte pela ressurreição após passar por todo aquele sofrimento:
"Por que estás abatida, ó minha alma, e por que te perturbas em mim? Espera em Deus, pois ainda o louvarei pela salvação da sua face. O meu Deus, dentro de mim a minha alma está abatida; por isso lembro-me de ti desde a terra do Jordão, e desde os hermonitas, desde o pequeno monte. Um abismo chama outro abismo, ao ruído das tuas catadupas; todas as tuas ondas e as tuas vagas têm passado sobre mim. Contudo o SENHOR mandará a sua misericórdia de dia, e de noite a sua canção estará comigo, uma oração ao Deus da minha vida. Direi a Deus, minha rocha: Por que te esqueceste de mim? Por que ando lamentando por causa da opressão do inimigo? Com ferida mortal em meus ossos me afrontam os meus adversários, quando todo dia me dizem: Onde está o teu Deus? Por que estás abatida, ó minha alma, e por que te perturbas dentro de mim? Espera em Deus, pois ainda o louvarei, o qual é a salvação da minha face, e o meu Deus." (Sl 42:5-11).
Mario Persona é palestrante e consultor de comunicação, marketing e desenvolvimento profissional (www.mariopersona.com.br). Não possui formação ou título eclesiástico e nem está ligado a alguma denominação religiosa, estando congregado desde 1981 somente ao Nome do Senhor Jesus. Esta mensagem originalmente não contém propaganda. Alguns sistemas de envio de email ou RSS costumam adicionar mensagens publicitárias que podem não expressar a opinião do autor.)