https://youtu.be/IfDptvNwOik
Uma vez ouvi um irmão do exterior dizer que quando falamos da Palavra pessoalmente, evangelizando ou ensinando, devemos colocar a Bíblia na mão da pessoa e pedir que ela leia a passagem que queremos explicar. Segundo ele, assim ela ficaria mais envolvida com o que diz a Bíblia.
Eu achava que fazia sentido até um dia fazer isso com alguém e a pessoa alegar que esqueceu os óculos. Vim a saber depois que era analfabeta, e meu pequeno estratagema acabou fazendo com que ela dissesse uma mentira para se proteger. O mesmo acontecia quando eu dava um folheto a alguém e a pessoa fingia ler deixando claro que não sabia. existe muita gente que não sabe ler, mas também existem os analfabetos funcionais, que você encontra hoje até com diploma universitário. Conseguem ler mas não conseguem interpretar o que leem. Então me vem à mente a passagem em Atos:
"E o anjo do Senhor falou a Filipe, dizendo: Levanta-te, e vai para o lado do sul, ao caminho que desce de Jerusalém para Gaza, que está deserta. E levantou-se, e foi; e eis que um homem etíope, eunuco, mordomo-mor de Candace, rainha dos etíopes, o qual era superintendente de todos os seus tesouros, e tinha ido a Jerusalém para adoração, Regressava e, assentado no seu carro, lia o profeta Isaías. E disse o Espírito a Filipe: Chega-te, e ajunta-te a esse carro. E, correndo Filipe, ouviu que lia o profeta Isaías, e disse: Entendes tu o que lês? E ele disse: Como poderei entender, se alguém não me ensinar? E rogou a Filipe que subisse e com ele se assentasse. E o lugar da Escritura que lia era este: Foi levado como a ovelha para o matadouro; e, como está mudo o cordeiro diante do que o tosquia, Assim não abriu a sua boca. Na sua humilhação foi tirado o seu julgamento; E quem contará a sua geração? Porque a sua vida é tirada da terra. E, respondendo o eunuco a Filipe, disse: Rogo-te, de quem diz isto o profeta? De si mesmo, ou de algum outro? Então Filipe, abrindo a sua boca, e começando nesta Escritura, lhe anunciou a Jesus." (At 8:26-35).
O eunuco tinha as Escrituras, lia regularmente, estava lendo até ali em meio aos solavancos de sua carruagem, mas não entendia e precisava de alguém para ensinar. De nada adiantaria Filipe dizer: "Leia de novo com mais atenção que você irá entender". Ele não era um "analfabeto funcional", era um oficial de alto escalão na corte da rainha, portanto um homem instruído. Não era como muitos com quem interagimos e não fazem ideia do que significam termos como "expiação", "sacrifício", "predestinados", "eleitos", "Filho do Homem", "Messias", "concupiscência", "propiciatório", "propiciação" etc. Não basta colocar a Bíblia em sua mão e pedir para ler, é preciso explicar.
Mas alguém poderia argumentar que ele precisa ler a Palavra diretamente da Bíblia, porque é a a Palavra de Deus que tem poder. Então temos um problema, pois ninguém nos tempos apostólicos andava com uma Bíblia. Era possível ler as Escrituras do Antigo Testamento em grandes rolos nas sinagogas, ou talvez porções em papiros ou peles enroladas, mas livros encadernados surgiriam muito depois, sem falar nos digitais. O que os primeiros cristãos faziam era falar a Palavra de Deus de memória. Ou você realmente acha que o Evangelho chegou até o mundo gentio por pessoas em fuga carregando pesados rolos das Escrituras? Afinal, no primeiro caso, dos que evangelizavam judeus, até fazia sentido se referir às Escrituras do Antigo Testamento, mas aos gentios era Jesus o foco da mensagem, pois gentios não estavam familiarizados com as Escrituras.
"E os que foram dispersos pela perseguição que sucedeu por causa de Estêvão caminharam até à Fenícia, Chipre e Antioquia, não anunciando a ninguém a palavra, senão somente aos judeus. E havia entre eles alguns homens cíprios e cirenenses, os quais entrando em Antioquia falaram aos gregos, anunciando o Senhor Jesus. E a mão do Senhor era com eles; e grande número creu e se converteu ao Senhor." (At 11:19-21).
Para evangelizar alguém você não precisa pedir que a pessoa leia nas páginas de sua Bíblia João 3:16 — "Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna." — ou João 5:24 — "quem ouve a minha palavra, e crê naquele que me enviou, tem a vida eterna, e não entrará em condenação, mas passou da morte para a vida.". E se esqueceu de levar sua Bíblia impressa e seu celular estiver sem bateria? E se estiver em um elevador, com poucos segundos para perder sua audiência? E se você estiver em um avião prestes a se espatifar no mar? Sim, isso aconteceu, e prepare-se para outra história envolvendo a Etiópia.
Em 1996 Andy Meakins, um missionário que atuava em Adis Abeba, capital da Etiópia, estava no voo 961 que foi sequestrado, ficou sem combustível e caiu no mar. Sobreviventes dão conta de que ele ficou em pé e começou a falar aos outros passageiros: "Muitos de nós podemos morrer neste acidente e tem algo que vocês precisam saber." Então ele começou a pregar o evangelho, insistindo para que as pessoas cressem em Jesus, ao mesmo tempo em que caminhava pelo corredor para que todos os passageiros escutassem. Uma aeromoça contou que ouviu a mensagem, baixou a cabeça e pediu a Jesus para perdoar seus pecados e entrar em seu coração, e ela disse que viu outros fazendo o mesmo. Das 175 pessoas a bordo 125 morreram, inclusive Andy Meakins que estava de pé quando o avião bateu na água.
Então entenda a urgência que a pessoa em sua frente tem de ouvir o evangelho. Meu pai um dia levou uma Bíblia de presente para um amigo, e no portão da casa entregou a Bíblia, mas falou resumidamente a mensagem da salvação. Aquele homem agradeceu, entrou em casa para almoçar e caiu morto com o rosto no prato. Não teve tempo de ler a Bíblia, mas teve tempo de ouvir o evangelho. Então procure você mesmo falar à pessoa o que o versículo diz, ao invés de forçá-la a ler. Se precisar explique o significado de alguma palavra menos usual. Se não lembrar de memória procure ler mais a Bíblia para até seus pensamentos serem formados pela Palavra de Deus, e tenha sempre uns versículos evangelísticos na manga da memória para sacar na hora da necessidade.
Por isso hoje, quando prego o evangelho para uma audiência de várias pessoas, procuro separar antes os versículos principais de minha mensagem e eventualmente cito outros de memória, ou até leio rapidamente de minha Bíblia impressa ou digital um que eu não tinha programado. Mas não peço para a audiência procurar. Pedir a um visitante para ler na Bíblia que alguém lhe deu antes de iniciar a pregação só irá desviar sua atenção da mensagem. Experimente dizer a um visitante que nunca viu uma Bíblia na vida para abrir em Judas e ele não vai saber onde encontrar aquele que ele acha que traiu Jesus.
Portanto, querer que um visitante que foi convidado para aquela pregação aprenda a manusear uma Bíblia bem ali, nos poucos minutos que ele tem para ouvir a mensagem de sua salvação, seria o mesmo que o salva-vidas querer ensinar natação ao que está se afogando, ou a atendente do pronto-socorro pedir que você mesmo encontre sua veia e insira a agulha do soro.
Em Romanos 10:17 Paulo escreve que "a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus.". O que você disse é Palavra de Deus? Você se lembra de ter lido isso na Bíblia? Então não importa se estava escrita em sua memória, num guardanapo ou nos dígitos da tela de seu celular. É Palavra de Deus porque está na Bíblia e a Bíblia toda é a Palavra de Deus. Se você acha que precisa fazer seu interlocutor ler na Bíblia para se convencer de que aquilo que você está dizendo não foi invenção sua, então é melhor primeiro ganhar a confiança dele ou só neste caso pedir que leia por si mesmo.
O mais importante de tudo é você saber que a Palavra de Deus pregada por você, e não por anjos, será aplicada pelo Espírito Santo naquela alma e o Senhor fará a obra. A Palavra de Deus certamente tem poder para que o Espírito faça a obra, independente da plataforma ou meio — sua voz, uma gravação, uma pele de animal, papiro, tablete de argila, tela de smartphone, computador, ou mesmo da boca de uma jumenta, que foi o modo com Deus falou com Balaão (Números 22). Nunca mais se esqueça do que disse o Eunuco: "Como poderei entender, se alguém não me ensinar?".
Aquele homem já tinha sido alcançado pela Palavra escrita e também falada, pois ele frequentava locais onde as Escrituras eram lidas. Mas agora precisava de alguém que conhecesse a Cristo pessoalmente para apontar que aquele Servo sofredor de Isaías 53 era o mesmo que tinha sido pregado na cruz, ressuscitado ao terceiro dia e estava agora na glória do céu. E se quiser uma receita para evangelizar corretamente, há muitas na Bíblia, no Antigo e Novo Testamento.
Há uma jovem escrava que o Senhor usa para encaminhar Naamã ao profeta que indicaria a ele o caminho de sua purificação (2 Reis 5). No capítulo 4 do Evangelho de João o próprio Senhor, sem discriminação e escrúpulos religiosos, que conversa com uma samaritana, algo vedado a judeus, colocando-se na mesma condição dela de necessitado de água (o nome disso é empatia). Há Priscila e Áquila, que juntos ajudam Apolo a aparar as arestas de um aprendizado incompleto (Atos 18:24-28). E também Pedro, no final do capítulo 10 de Atos, cuja mensagem serve de "template" para qualquer pregação do evangelho, por incluir os principais pontos: Jesus veio, foi rejeitado, crucificado, ressuscitou, há perdão para quem o aceita, e juízo para quem o rejeita, pois voltará como Juiz. Ao invés de pedir a Cornélio e aos que o acompanhavam que lessem algum rolo ou manuscrito, Pedro simplesmente pregou:
"A palavra que ele enviou aos filhos de Israel, anunciando a paz por Jesus Cristo (este é o Senhor de todos); esta palavra, vós bem sabeis, veio por toda a Judeia, começando pela Galileia, depois do batismo que João pregou; como Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com virtude; o qual andou fazendo bem, e curando a todos os oprimidos do diabo, porque Deus era com ele. E nós somos testemunhas de todas as coisas que fez, tanto na terra da Judeia como em Jerusalém; ao qual mataram, pendurando-o num madeiro. A este ressuscitou Deus ao terceiro dia, e fez que se manifestasse, não a todo o povo, mas às testemunhas que Deus antes ordenara; a nós, que comemos e bebemos juntamente com ele, depois que ressuscitou dentre os mortos. E nos mandou pregar ao povo, e testificar que ele é o que por Deus foi constituído juiz dos vivos e dos mortos. A este dão testemunho todos os profetas, de que todos os que nele creem receberão o perdão dos pecados pelo seu nome. E, dizendo Pedro ainda estas palavras, caiu o Espírito Santo sobre todos os que ouviam a palavra." (At 10:36-44).
Resumindo, o importante é pregar a Palavra, e não colocar algum empecilho ao ouvinte levando-o a mentir ("Esqueci meus óculos... Estou com a vista ardendo...") ou a se atrapalhar folheando um livro que nunca viu na vida. Quando eu traballava para um banco comprando ou alugando imóveis para abrir agências, recebia a instrução de evitar lojas com rampas, escadas ou que ficassem na calçada do sol da tarde nas regiões Norte e Nordeste. O banco queria facilitar ao máximo para as pessoas terem acesso aos seus serviços. Este costume de mandar seu interlocutor ler, e outros coisas que ouvi de irmãos mais velhos e experientes, eu descobri depois que eram apenas costumes religiosos e não sobreviviam a uma melhor análise da Palavra de Deus.
Outra coisa que aprendi foi a convenção na qual eu mesmo acreditei por alguns anos, a de que eu devia sempre começar com maiúscula os pronomes que se referissem à divindade, por exemplo, Seu, Sua, Dele etc. Foi só mais tarde que entendi que era apenas uma convenção ou costume, pois nas línguas antigas nem havia diferenciação. No grego antigo só existiam caracteres maiúsculos, e além disso as edições da Bíblia não usam essa convenção. Ainda que os editores usem caixa alta ou maiúsculas para nomes próprios, como costumamos fazer em outros textos, os pronomes sempre aparecem em minúsculas, e isso você pode conferir em sua Bíblia. Eventualmente, ao citar apenas um versículo por exemplo, um pronome começando por maiúscula pode deixar mais claro de quem o versículo fala, mas não é o caso para textos mais extensos.
Eu também acreditava que só podia dizer "Jesus" se colocasse "Senhor" antes do nome. Quando pesquisei no Novo Testamento percebi que os evangelistas e apóstolos diziam mais vezes "Jesus" sem "Senhor" na frente do que o contrário. Foi aí que entendi que, como na brincadeira de telefone sem fio, a informação que eu possuía devia ter chegado até mim truncada. Na verdade um cristão jamais deveria se dirigir ao Senhor chamando-o apenas de Jesus, porque só vemos demônios fazerem isso nos Evangelhos. Mas falar a Jesus, dirigindo-me a ele, é diferente de falar de Jesus, mencionando o que ele fez. Por isso em muitos lugares os escritores dizem "Jesus foi ali" ou "Jesus fez isso" sem colocar "Senhor" antes do nome.
Somos muito propensos a adotar convenções e costumes sem conferir o ensino das Escrituras. Bom mesmo será imitarmos os varões de Bereia para não nos tornarmos meros religiosos repetidores do que escutamos de alguém — inclusive de mim e de tudo que acabei de dizer aqui.
"E logo os irmãos enviaram de noite Paulo e Silas a Bereia; e eles, chegando lá, foram à sinagoga dos judeus. Ora, estes foram mais nobres do que os que estavam em Tessalônica, porque de bom grado receberam a palavra, examinando cada dia nas Escrituras se estas coisas eram assim. De sorte que creram muitos deles, e também mulheres gregas da classe nobre, e não poucos homens." (At 17:10-12).
Mario Persona é palestrante e consultor de comunicação, marketing e desenvolvimento profissional (www.mariopersona.com.br). Não possui formação ou título eclesiástico e nem está ligado a alguma denominação religiosa, estando congregado desde 1981 somente ao Nome do Senhor Jesus. Esta mensagem originalmente não contém propaganda. Alguns sistemas de envio de email ou RSS costumam adicionar mensagens publicitárias que podem não expressar a opinião do autor.)