https://youtu.be/0vMrJ5hYIoc
Você escreveu dizendo que encontrou algumas contradições minhas a respeito do cânon bíblico que, segundo suas palavras, seria por "falta de informação ou estudo". Você me ouviu dizer que a Igreja Católica acrescentou à sua versão da Bíblia livros como Tobias, Eclesiástico, Macabeus etc., que não estão no cânon do Antigo Testamento judaico, e argumenta que mesmo assim eles faziam parte da versão Septuaginta que elogiei em outro vídeo.
Então sua dúvida é como eu posso considerar a Septuaginta, a versão traduzida para o grego pelos judeus, se não considero a versão católica que também contém esses mesmos livros no Antigo Testamento. Você indaga: "Se eles estão na Septuaginta, não seriam livros inspirados?".
Os livros do Antigo Testamento que constam do volume hoje usado pelos judeus foram escritos em hebraico. Durante o tempo em que os judeus foram espalhados pelo mundo eles escreveram outros livros em outras línguas. Até o advento do cristianismo não havia um cânon judaico como uma coleção oficial das Escrituras, mesmo porque a quantidade de escritos proféticos, históricos e poéticos era muito grande.
Depois que o cristianismo surgiu, os judeus decidiram colocar ordem nas Escrituras que possuíam e assim surgiu o volume das Escrituras que hoje é comumente usado no judaísmo, que é praticamente igual ao Antigo Testamento das Bíblias protestantes. Mas muitos outros textos da tradição rabínica judaica continuam ainda hoje a ser utilizados entre os judeus, embora eles considerem como "Escrituras" apenas o que foi escrito em hebraico. Isso mesmo: os textos que sobejam na versão Septuaginta, e estão ausentes na Bíblia protestante, não foram escritos em hebraico, mas em outras línguas.
O Novo Testamento foi escrito quase todo em grego, exceto Mateus que usou o aramaico, que era um hebraico popular usado nos tempos de Jesus. A razão disso é que Mateus escreveu especialmente para os judeus apresentando Jesus como seu Messias e Rei. Quando os cristãos no início do cristianismo reuniram os textos em um conjunto só, chamado cânon, fizeram isso porque eles já eram considerados inspirados no meio cristão e circulavam nas igrejas. Pedro atesta que as cartas de Paulo tinham status de "Escrituras" ao escrever:
"Falando disto, como em todas as suas epístolas, entre as quais há pontos difíceis de entender, que os indoutos e inconstantes torcem, e igualmente as outras Escrituras..." (2 Pe 3:16).
No início a formação do cânon pelos cristãos incluiu os textos contidos na Septuaginta, tanto os hebraicos quanto os não originalmente produzidos naquela língua. Mais de mil anos mais tarde, por ocasião da reforma protestante, os reformadores decidiram acompanhar a decisão dos judeus de incluir no Antigo Testamento apenas livros em hebraico. Assim ficaram de fora os da Septuaginta (e da católica) chamados deuterocanônicos: Tobias, Judite, 1 e 2 Macabeus, Sabedoria de Salomão, Eclesiástico e Baruque. Acredito que algumas incongruências dos textos possam ter pesado na decisão.
Você disse que viu meu vídeo sobre o cânon e encontrou contradições, ou falta de informação ou de estudo. Provavelmente você tenha encontrado mesmo tudo isso, porque muitas vezes vou dormir discordando do que pensava quando acordei. Se sua menção foi ao texto/vídeo sobre a Septuaginta fui reler e descobri que eu mesmo misturei duas respostas, uma para um católico irado defendendo a Septuaginta, e outro de algum desses que seguem os profetas do Youtube que pregam que as Escrituras só podem ser lidas no original, no caso do Antigo Testamento, no hebraico.
A intenção de meu texto era apenas a de mostrar, para os que acham que tudo precisa ser em hebraico, que citações feitas por Jesus e pelos autores do Novo Testamento vinham da versão Septuaginta, pois era a corrente nos primeiros quatro séculos da era cristã. Minha conclusão era de que, se a versão em língua grega era Palavra de Deus para Jesus, então devia ser Palavra de Deus para nós também, valendo o mesmo para qualquer idioma em que a Bíblia seja traduzida. Mas quando disse isso não estava me referindo a um cânon, mas apenas à tradução.
Talvez você me pergunte como eu poderia ter misturado duas respostas a correspondentes com ideias tão antagônicas, e a razão é que muitas vezes junto mais de uma pergunta de mais de uma pessoa para criar um único texto e vídeo. Algumas respostas eu começo a escrever e só vou terminar dias ou meses mais tarde. Deve ter sido o caso desta. Eu devia ter respondido os dois ou três primeiros parágrafos ao católico irado, e quando surgiu a oportunidade de falar da tradução grega (não do aspecto cânon, mas da validade das traduções) achei que serviria como continuação do que eu já tinha começado a escrever. Não tinha muito a ver, e peço desculpas pelo meu descuido.
Mas volto a dizer que eu não estava no texto defendendo um cânon da Septuaginta, mas apenas a validade de a Palavra de Deus ser traduzida para outras línguas que não sejam o hebraico. Mesmo porque nem os judeus ainda tinham decidido estabelecer um canon, o que iria acontecer só no primeiro século da atual era. Minha intenção era apenas para mostrar que aquilo que é Palavra de Deus em hebraico é Palavra de Deus em grego, português, chinês etc.
O mesmo Deus (e não a instituição católica) que preservou sua Palavra para que chegasse até nós pode comunicar vida até a quem tiver apenas um fragmento mal traduzido num idioma que nem seja o do leitor. Conheci um homem que se converteu lendo uma Bíblia "Novo Mundo", a versão reconhecidamente espúria e adulterada produzida pelas Testemunhas de Jeová alegadamente de textos traduzidos dos originais, mas que foi composta a partir do texto em inglês da King James.
Mas voltando ao cerne de sua mensagem, que foi defender que os livros deuterocanônicos seriam inspirados e justificar sua existência na versão católica da Bíblia, só tenho a dizer que se você gosta de ler esses livros, vá em frente. Eu os li quando já era convertido a Cristo, mas ainda estava no catolicismo, e não me lembro de ter tirado deles algum proveito, além do conhecimento intelectual e do entretenimento trazido por algumas lendas ali contidas.
A própria doutrina do purgatório, bastante conveniente ao catolicismo na época em que indulgências eram vendidas para libertar as almas desse suposto sistema prisional provisório, encontra respaldo em 2 Macabeus 12. Ali é mencionada a decisão de Judas Macabeus de angariar ofertas e fazer sacrifícios pelos mortos, algo não encontrado em nenhum outro livro hebraico e que deve ter sido influência de ritos orientais de religiões reencarnacionistas.
"Em seguida, [Judas] fez uma coleta, enviando a Jerusalém cerca de dez mil dracmas, para que se oferecesse um sacrifício pelos pecados: belo e santo modo de agir, decorrente de sua crença na ressurreição, porque, se ele não julgasse que os mortos ressuscitariam, teria sido vão e supérfluo rezar por eles. Mas, se ele acreditava que uma bela recompensa aguarda os que morrem piedosamente, era esse um bom e religioso pensamento; eis por que ele pediu um sacrifício expiatório para que os mortos fossem livres de suas faltas." (2 Ma 12:43-46).
Existem ainda muitos erros nesses livros que levam a doutrinas erradas e às vezes malignas, como incentivar a magia. É o caso o livro de Tobias, que ensina a expulsar espíritos malignos usando fumaça de peixe. Se fosse verdade o Senhor e os discípulos não teriam expulsado demônios como fizeram, mas bastaria fazer um churrasco de peixe e tudo ficaria bem.
"O anjo disse-lhe: Pega-o pelas guelras e puxa-o para ti. Tobias assim o fez. Arrastou o peixe para a terra, o qual se pôs a saltar aos seus pés. O anjo então disse-lhe: Abre-o, e guarda o coração, o fel e o fígado, que servirão para remédios muito eficazes. Ele assim o fez. A seguir ele assou uma parte da carne do peixe, que levaram consigo pelo caminho. Salgaram o resto, para que lhes bastasse até chegarem a Ragés, na Média. Entretanto, Tobias interrogou o anjo: Azarias, meu irmão, peço-te que me digas qual é a virtude curativa dessas partes do peixe que me mandaste guardar. O anjo respondeu-lhe: Se puseres um pedaço do coração sobre brasas, a sua fumaça expulsará toda espécie de mau espírito, tanto do homem como da mulher, e impedirá que ele volte de novo a eles." (Tob 6:4-8).
O mesmo livro de Tobias ensina que podemos nos livrar de nossos pecados apenas dando esmolas, o que implica dizer que o Senhor Jesus foi à cruz derramar seu sangue em vão. Ali diz: "Porque a esmola livra do pecado e da morte, e preserva a alma de cair nas trevas... porque a esmola livra da morte: ela apaga os pecados e faz encontrar a misericórdia e a vida eterna" (Tob 4:11; 12:9). No entanto a Palavra de Deus nos ensina que "o sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de todo o pecado" (1 Jo 1:7). Como você espera que seus pecados sejam perdoados? Dando esmolas ou confiando no sangue do Cordeiro de Deus? Esses livros contêm ainda erros históricos e geográficos, mas detalhes disso você encontra pesquisando na Web.
O que me intriga é esse seu fervor em defender a Bíblia na versão católica, quando a própria instituição que você segue não crê ser ela a Palavra de Deus única, suficiente e incontestável. Se você for um bom católico saberá que as Escrituras ocupam um segundo ou terceiro lugar no status católico romano, pois estão sujeitas a outras instituições e seus escritos que lhe são consideradas superiores: a Sagrada Tradição e o Sagrado Magistério. Sempre que existir dúvida entre o que diz a Bíblia, a Palavra de Deus, e o que dizem essas duas instituições, serão estas que irão prevalecer. Ou seja, elas dão o "voto de Minerva" para dizer o que na Bíblia é ou não Palavra de Deus; em quê você deve acreditar ou não.
Quando Paulo se despediu dos anciãos de Éfeso ele não disse "encomendo-vos a Deus, à Palavra de sua graça, à Sagrada Tradição e ao Sagrado Magistério". Não, ele disse apenas: "Agora, pois, irmãos, encomendo-vos a Deus e à palavra da sua graça; a ele que é poderoso para vos edificar e dar herança entre todos os santificados." (At 20:32). Percebeu? A Deus e à Palavra da sua graça. Nem mesmo os encomendou a Pedro ou a algum suposto sucessor dos apóstolos. Não precisa estudar muita história para saber que no trono da suposta sucessão de Pedro já se sentaram assassinos, psicopatas, praticantes de incesto e outras aberrações.
Por esta razão sugiro que não gaste tanta saliva tentando defender a versão católica do Antigo Testamento e procure conhecer melhor o que Deus (e não a instituição católica) diz em sua Palavra. Porque se conhecer poderá crer realmente na obra completa de Cristo e saber que não existe um purgatório para purgar pecados por meio de orações de vivos, de suas esmolas ou pelo sofrimento dos próprios mortos. Porque se alguém tivesse qualquer poder de purgar pecados de si mesmo e de outros "segue-se que Cristo morreu debalde" (Gl 2:21).
Esse desprezo e afronta a Cristo e seu sacrifício único e eficaz pode ser vista em forma de tipo nesta passagem: "Também vi esta sabedoria debaixo do sol, que para mim foi grande: Houve uma pequena cidade em que havia poucos homens, e veio contra ela um grande rei, e a cercou e levantou contra ela grandes baluartes; e encontrou-se nela um sábio pobre, que livrou aquela cidade pela sua sabedoria, e ninguém se lembrava daquele pobre homem." (Ec 9:13-15).
Que tal crer realmente no que Jesus disse e desfrutar de uma salvação já aqui e agora, ao invés de ficar tentando barganhar com Deus usando suas esmolas e orações? Para quê viver na expectativa de um julgamento final se o próprio Senhor afirmou que os que nele creem não entrarão em juízo ou condenação? Veja o que o Senhor Jesus diz nesta versão católica da CNBB atentando para os tempos dos verbos. Eles demonstram que o perdão e a salvação são coisas que podem agora mesmo ser desfrutadas por todo aquele que crê:
"Em verdade, em verdade, vos digo: quem ESCUTA a minha palavra e CRÊ naquele que me enviou POSSUI a vida eterna e NÃO VAI a julgamento, mas PASSOU da morte para a vida." (Jo 5:24).
Digo isto porque se você ouvir a palavra da Sagrada Tradição ou do Sagrado Colegiado não estará ouvindo a Palavra de Cristo como definitiva e cabal. Se crer que a salvação está numa instituição não estará crendo que ela está numa Pessoa divina, naquele que o Pai enviou ao mundo. Se achar que existe um purgatório e viver na horrível expectativa de passar pelo Grande Trono Branco do Juízo Final não estará desfrutando agora mesmo da certeza da vida eterna e de que "não vai a julgamento, mas passou da morte para a vida".
Mario Persona é palestrante e consultor de comunicação, marketing e desenvolvimento profissional (www.mariopersona.com.br). Não possui formação ou título eclesiástico e nem está ligado a alguma denominação religiosa, estando congregado desde 1981 somente ao Nome do Senhor Jesus. Esta mensagem originalmente não contém propaganda. Alguns sistemas de envio de email ou RSS costumam adicionar mensagens publicitárias que podem não expressar a opinião do autor.)