https://youtu.be/6s3_bAb9fUw
Você escreveu que é atleta de artes marciais e preciso dar o seu melhor para vencer o adversário. Também contou que quando está vencendo recebe muitos elogios e mensagens de pessoas dizendo que são fãs, e que você é uma inspiração ou ídolo para elas. Antigamente você gostava disso e era uma das coisas que o impulsionavam a querer vencer, mas hoje se esforça para não se deixar levar pela vaidade.
Na continuação você menciona um vídeo meu em que falei de três coisas: vanglória, provocação e inveja. Sim, eu concordo que elas estão muito presentes no esporte e é algo inevitável, pois mesmo que você não sinta essas coisas acaba provocando em outras pessoas esses sentimentos. Sua dúvida é se deve deixar de praticar o esporte agora que pretendia se profissionalizar, ou se existe alguma forma de continuar e não desagradar a Deus.
O modo como cada cristão deve agir é uma questão bastante pessoal que você terá de resolver entre você e o seu Senhor. Eu não sou seu coach, ele é. E isso não depende do que seja, se é luta ou jogo de xadrez, se é bordar, pintar ou atuar nos palcos, como é minha profissão de palestrante, ou mesmo nos bastidores. O problema não está do lado de fora, mas do lado de dentro e no que essas coisas possam produzir em você. John Nelson Darby uma vez disse que "humildade não é pensar pouco de si mesmo, mas é não pensar em si mesmo". Um jogador de futebol de várzea pode ter um ego maior que um craque de nível mundial que não se deixa impressionar pela torcida. Ele sabe que tudo aquilo um dia termina, como no discurso que Lincoln fez ao assumir a presidência, dizendo: "Isto também vai passar".
Em esportes, ao contrário do que acontece na vida, não estamos (ou não deveríamos estar) buscando massacrar o adversário pelo prazer de fazer o mal a ele. Existe um contrato entre as partes de competirem até que vença o melhor, então se o vencedor fica todo cheio de si por vencer, e o vencido fica invejoso e cheio de ódio, isso é outro departamento. Nenhum deles entendeu o que estão fazendo, ou seja, uma guerra combinada. Não teria graça se os dois vencessem ou se nenhum deles desse o máximo de si para vencer. Nada de errado até aí.
Uma vez um palestrante me disse que amava o palco, a bajulação, os aplausos etc. e perguntou se eu também tinha ganas de estrelato. Lembrei logo de uma artista que contou, numa entrevista, que encontrou em Paris um famoso apresentador brasileiro de TV que dizia ficar deprimido em Paris porque ninguém o reconhecia na rua. Ele sentia falta da tietagem dos fãs, se sentia incompleto. Nem preciso dizer que os fãs eram muito mais o ídolo dele do que ele o ídolo dos fãs. Os fãs podiam muito bem viver sem ele, mas ele não podia viver sem a bajulação de que se achava merecedor.
Ao palestrante que fez a pergunta respondi sinceramente que não sinto o mesmo que ele, e até não gosto de bajulação. No palco eu simplesmente coloco minha "persona", que era aquela máscara de teatro grego que normalmente é mostrada em dupla, com uma rindo e outra chorando. Ou seja, eu adoto o personagem palestrante e desempenho meu papel.
Você talvez fique chocado com o que vou dizer, mas uma vez li a entrevista de uma prostituta que, quando perguntava como se sentia tendo relações com diferentes homens, ela respondeu que tinha aprendido a bloquear os sentimentos imaginando-se outra pessoa. Bem, a comparação só vai até aí, e a "persona" que adoto é diferente da "persona" dela, pois não faço nada de mais no palco.
O que mais me interessa na hora da palestra é saber que cumpri meu papel, alegrei a plateia e ajudei de alguma forma aquelas pessoas com minhas ideias. Isso sim me dá prazer, como é o prazer de um professor ou professora quando encontra um aluno que um dia ajudou. É claro que isso também pode virar meu ídolo, mudando apenas de ovação de fora para dentro para aplausos internos.
Então cada um de nós deve lidar com isso enquanto estiver vivendo num corpo de carne, porque essa carne sempre irá querer nos fazer tirar os olhos do Senhor para colocar em nós mesmos, de uma maneira ou de outra. Muitas coisas podem trazer prazer, desde você ser aclamado por milhares de torcedores na arquibancada, até comer arroz com ovo. A lista seria interminável, mas vou citar apenas três coisas que me dão prazer: acordar cedo, falar e escrever.
A primeira deve ser uma questão de biótipo. Da infância eu me recordo de minha mãe cantando e passando enceradeira às 4 da manhã. Quando atingi a adolescência ela já tinha parado com a enceradeira: estávamos na era do aspirador. Deve ter sido dela que herdei, não o aspirador, mas o bem-estar por acordar de madrugada. Quando acordo tarde fico deprimido.
A outra atividade que me dá prazer é falar. Adoro ensinar, debater, explicar, palestrar. Aquilo que para alguns é o fim do mundo — falar em público, me expor, ser contestado — para mim é o motor do raciocínio. Alguns não entendem como posso ter paciência de responder a tantas dúvidas e questionamentos. Eu, porém, não entendo como você pode gostar de levar tanta pancada. Mas ainda acho que as suas, que são físicas, devem doer mais que as minhas, que costumam ser verbais. Pelo menos até agora.
A terceira atividade é escrever. Quando termino um texto sinto-me revigorado e, quando é uma crônica, rio sozinho das bobagens que escrevi. Existem efeitos terapêuticos no ato de escrever, e é por isso que alguns terapeutas pedem para seus pacientes escreverem um diário para externar seus sentimentos. Eu faço minha terapia de graça com o Dr. P.C. enquanto deito meus dedos no divã do teclado.
A ciência tem chegado à conclusão de que existe um aspecto químico na geração do prazer, mas não sei até onde isso é válido. Um professor de psiquiatria da Emory University descobriu que o cérebro responde a diversos estímulos que estimulam a Área Tegmental Ventral do cérebro segregando a dopamina. O que o cientista descobriu é que o cérebro produz maior quantidade desse neurotransmissor quando o dono do cérebro pratica atividades como sexo e jogos de azar, gerando prazer e euforia. Drogas, como a cocaína, impedem que a dopamina saia de cena, prolongando a sensação de euforia.
Até aí nenhuma novidade. Mas o que chamou a atenção do cientista foi que a produção de dopamina aumenta quando ajudamos alguém. Isso mesmo, ajudar as pessoas faz o a ATV ou Área Tegmental Ventral acordar mais cedo, cantar e ligar a enceradeira para liberar dopamina. Deve ser por isso que me sinto bem escrevendo e ensinando, atividades que, remuneradas — como é o caso das palestras — ou não — no caso do ministério da Palavra presencial ou virtual, acabam ajudando alguém. O mesmo vale para o trabalho voluntário, a velhinha que você ajuda a atravessar a rua ou o presente que dá a alguém.
Sim, o próprio apóstolo Paulo disse algo parecido aos anciãos de Éfeso: "Tenho-vos mostrado em tudo que, trabalhando assim, é necessário auxiliar os enfermos, e recordar as palavras do Senhor Jesus, que disse: Mais bem-aventurada coisa é dar do que receber." (At 20:35). Isto já demonstra a razão de uma pessoa mesquinha e egoísta ser infeliz enquanto a pródiga em ajudar o próximo viva sempre contente. Em suma: ajudar os outros dá prazer. Muito prazer.
Quanto? Bem, se nos ativermos apenas ao que diz a ciência, em atividades altruísticas, isto é, de ajuda ao próximo, o cérebro libera cinco vezes mais dopamina que a quantidade normalmente liberada em atividades como sexo e jogos de azar. Cinco vezes mais! Se o pessoal da terceira idade souber disso os bingos vão ficar vazios e irão sobrar voluntários nas obras de caridade. Mas antes que você corra concluir que farão isso por serem altruístas, é melhor lembrar que podem estar agindo de forma egoísta, não tão interessados em aliviar o sofrimento alheio, mas sim em aumentar o próprio prazer.
Esse é o grande furo do reencarnacionismo, que prega a caridade e o sofrimento como meios de libertação dos pecados, evolução espiritual e salvação. Ao alimentar o faminto, o reencarnacionista não está pensando no que sofre, mas em resolver seu próprio problema e ganhar milhas na passagem para o além. Além disso, considerando que o sofrimento nessa filosofia também conta pontos, aquele que ajuda a mitigar o sofrimento do próximo só estará atrapalhando sua evolução espiritual.
Para concluir, nunca pense que sua carne poderá se livrar dos sentimentos de vanglória, que é a glória da vaidade. A minha carne, por ter habilidade com as palavras, consegue fazer um discurso elaborado como este para dizer que não me sinto bem com os aplausos. Mas sei que isso pode ser apenas o que minha carne me mandou dizer. Quando digo que sinto prazer em ensinar eu indiretamente estou dizendo que tenho prazer em encontrar pessoas que são ignorantes das coisas que já aprendi. Percebe o quanto de mesquinho é nosso coração? E o quanto de graça e misericórdia de Deus precisamos para viver aqui?
Por isso quando a Palavra de Deus diz "Não há ninguém que busque a Deus" (Rm 3:11), e isso vale para mim e para você. Se um dia eu tivesse de minha própria vontade buscado a Deus a glória seria minha e o objetivo seria egoísta. Eu não teria feito isso por amar a Deus, mas para me livrar do fogo eterno. Dou graças a ele que me buscou primeiro, me elegendo antes da criação de todas as coisas para fazer parte de sua família.
Pois é, se espremer o ser humano não sai nada que preste, e acho que nem fui de muita ajuda para você pois palavras assim são um balde de água fria para a carne de qualquer um, até do mais bem preparado lutador. Se ler o livro de Cantares de Salomão, que foi o testamento e a confissão de um dos mais sábios, ricos e poderosos reis que já viveu neste mundo, irá descobrir que, no fundo, é tudo vaidade.
"Vaidade de vaidades, diz o pregador, vaidade de vaidades! Tudo é vaidade." (Ec 1:2).
Mario Persona é palestrante e consultor de comunicação, marketing e desenvolvimento profissional (www.mariopersona.com.br). Não possui formação ou título eclesiástico e nem está ligado a alguma denominação religiosa, estando congregado desde 1981 somente ao Nome do Senhor Jesus. Esta mensagem originalmente não contém propaganda. Alguns sistemas de envio de email ou RSS costumam adicionar mensagens publicitárias que podem não expressar a opinião do autor.)